1 Definição
Ideologia é um conjunto de idéias ou pensamentos de uma pessoa ou de um grupo de indivíduos. A ideologia pode estar ligada a ações políticas, econômicas e sociais.
O termo ideologia foi usado de forma marcante pelo filósofo Antoine Destutt de Tracy.
O conceito de ideologia foi muito trabalhado pelo filósofo alemão Karl Marx, que ligava a ideologia aos sistemas teóricos (políticos, morais e sociais) criados pela classe social dominante. De acordo com Marx, a ideologia da classe dominante tinha como objetivo manter os mais ricos no controle da sociedade.
No século XX, varias ideologias se destacaram:
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Ideologia fascista: implantada na Itália e Alemanha, principalmente, nas décadas de 1930 e 1940. Possuía um caráter autoritário, expansionista e militarista.
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Ideologia comunista: implantada na Rússia e outros países (principalmente do leste europeu), após a Revolução Russa (1917). Visava a implantação de um sistema de igualdade social.
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Ideologia democrática: surgiu em Atenas, na Grécia Antiga, e possui como ideal a participação dos cidadãos na vida política.
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Ideologia capitalista: surgiu na Europa durante o Renascimento Comercial e Urbano (século XV). Ligada ao desenvolvimento da burguesia, visa o lucro e o acúmulo de riquezas.
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Ideologia conservadora: idéias ligadas à manutenção dos valores morais e sociais da sociedade.
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Ideologia anarquista: defende a liberdade e a eliminação do estado e das formas de controle de poder.
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Ideologia nacionalista: exaltação e valorização da cultura do próprio país.
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2 Ideologia segundo a Wikipédia
Ideologia é um termo que possui diferentes significados e duas concepções: a neutra e a crítica. No senso comum o termo ideologia é sinônimo ao termo ideário (em português), contendo o sentido neutro de conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas. Para autores que utilizam o termo sob uma concepção crítica, ideologia pode ser considerado um instrumento de dominação que age por meio de convencimento (persuasão ou dissuasão, mas não por meio da força física) de forma prescritiva, alienando a consciência humana.
Para alguns, como Karl Marx, a ideologia age mascarando a realidade. Os pensadores adeptos da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt consideram a ideologia como uma ideia, discurso ou ação que mascara um objeto, mostrando apenas sua aparência e escondendo suas demais qualidades. Já o sociólogo contemporâneo John B. Thompson também oferece uma formulação crítica ao termo ideologia, derivada daquela oferecida por Marx, mas que lhe retira o caráter de ilusão (da realidade) ou de falsa consciência, e concentra-se no aspecto das relações de dominação.
Histórico
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A origem do termo ocorreu com Destutt de Tracy, que criou a palavra e lhe deu o primeiro de seus significados: ciência das idéias. Posteriormente, concluíram que esta palavra ganharia um sentido novo quando Napoleão chamou De Tracy e seus seguidores de "ideólogos" no sentido de "deformadores da realidade". No entanto, os pensadores da Antiguidade Clássica e da Idade Média já entendiam ideologia como o conjunto de idéias e opiniões de uma sociedade.
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Karl Marx desenvolveu uma teoria a respeito da ideologia na qual concebe a mesma como uma consciência falsa, proveniente da divisão entre o trabalho manual e o intelectual. Nessa divisão, surgiriam os ideólogos ou intelectuais que passariam a operar em favor da dominação ocorrida entre as classes sociais, por meio de idéias capazes de deformar a compreensão sobre o modo como se processam as relações de produção. Neste sentido, a ideologia (enquanto falsa consciência) geraria a inversão ou a camuflagem da realidade, para os ideais ou interesses da classe dominante. (Fonte: Marx, Karl e Engels, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 2002.)
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Entretanto, não é apenas n'A Ideologia Alemã que Marx trata do tema ideologia e, devido às inconsistências entre seus escritos sobre o tema, não seria correto afirmar-se que Marx possui uma única e precisa definição sobre o significado do termo ideologia. O sociólogo John B. Thompson faz uma análise minuciosa sobre três desenvolvimentos encontrados ao longo da obra de Marx sobre o termo ideologia, com convergências e divergências entre si, batizados por Thompson como (1) polêmica, (2) epifenomênica e (3) latente.
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Depois de Marx, vários outros pensadores abordaram a temática da ideologia. Muitos mantiveram a concepção original de Marx (Karl Korsch, Georg Lukács), outros passaram a abordar ideologia como sendo sinônimo de "visão de mundo" (concepção neutra), inclusive alguns pensadores marxistas, tal como Lênin. Alguns explicam isto graças ao fato do livro A Ideologia Alemã, de Marx, onde ele expõe sua teoria da ideologia, só tenha sido publicado em 1926, dois anos depois da morte de Lênin. Vários pensadores desenvolveram análises sobre o conceito de ideologia, tal como Karl Mannheim, Louis Althusser, Paul Ricoeur e Nildo Viana.
Concepção crítica
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O uso crítico do termo ideologia pressupõe uma diferenciação implícita entre o que vem a ser um "conjunto qualquer de idéias sobre um determinado assunto" (concepção neutra sinônima de ideário), e o que vem a ser o "uso de ferramentas simbólicas voltadas à criação e/ou à manutenção de relações de dominação" (concepção crítica). A partir deste ponto-de-partida comum a todos os significados do termo ideologia que aderem à concepção crítica, o que se tem são variações sobre a forma e o objetivo da ideologia. A principal divergência conceitual da concepção crítica de ideologia está na necessidade ou não de que um fenômeno, para que seja ideológico, necessariamente tenha de ser ilusório, mascarador da realidade e produtor de falsa consciência. A principal convergência conceitual, por outro lado, está no pré-requisito de que para um fenômeno ser ideológico, ele necessariamente deverá colaborar na criação e/ou na manutenção de relações de dominação. Ainda, no que se refere às relações de dominação, há diferentes olhares sobre quais destas relações são alvo de fenômenos ideológicos: se apenas as relações entre classes sociais, ou também relações sociais de outras naturezas. Alguns questionamentos neste sentido possuiriam respostas diferentes a depender do autor crítico:
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Para que algo possa ser concebido como ideológico, deve necessariamente haver ilusão, mascaramento da realidade e falsa consciência?
Marx responderia que sim.
Thompson responderia que estas são características possíveis, mas não necessárias, para a existência de ideologia;
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A única dominação à qual se refere a ideologia é aquela que ocorre entre classes sociais?
Marx novamente diria que sim.
Thompson complementaria com uma lista de outras formas de dominação também existentes na sociedade: entre brancos e negros, entre homens e mulheres, entre adultos e crianças, entre pais/mães e filhos(as), entre chefes e subordinados, entre nativos e estrangeiros.
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Para aqueles que adotam o termo ideologia segundo a concepção crítica, não faz sentido dizer: que um indivíduo ou grupo possui uma ideologia; que existem ideologias diferentes; que cada um tem a sua própria ideologia; que cada partido tem uma ideologia; que existe uma ideologia dos dominados. Ideologia, pela concepção crítica, não é algo disseminável como é uma idéia ou um conjunto de idéias; ideologia, neste sentido crítico, é algo voltado à criação/manutenção de relações de dominação por meio de quaisquer instrumentos simbólicos: seja uma frase, um texto, um artigo, uma notícia, uma reportagem, uma novela, um filme, uma peça publicitária ou um discurso.
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John B. Thompson em seu livro Ideologia e cultura moderna (Petrópolis: Vozes, 2007) procurou fazer uma análise crítica sobre as formulações para o termo ideologia propostas por diferentes autores, que ele classificou segundo duas concepções: neutras e críticas. Neste sentido,
Thompson considerou as formulações propostas por
Destutt de Tracy,
Lênin,
Georg Lukács e a "formulação geral da concepção total de
Mannheim" como concepções neutras de ideologia; já as formulações de Napoleão,
Marx (concepções polêmica, epifenomênica e latente) e a "concepção restrita de
Mannheim" viriam a ser concepções críticas de ideologia. Ele próprio (
Thompson), finalmente, ofereceu a seguinte formulação (crítica), apoiada na "concepção latente de
Marx": "ideologia são as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominação". (p. 75-76) Esta formulação proposta por
Thompson é carregada de significados:
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sentido: diz respeito a fenômenos simbólicos, que mobilizam a cognição, como uma imagem, um texto, uma música, um filme, uma narrativa; ao contrário de fenômenos materiais, que mobilizam recursos físicos, como a violência, a agressão, a guerra;
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serve para: querendo significar que fenômenos ideológicos são fenômenos simbólicos significativos desde que (somente enquanto) eles sirvam para estabelecer e sustentar relações de dominação;
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estabelecer: querendo significar que o sentido pode criar ativamente e instituir relações de dominação;
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sustentar: querendo significar que o sentido pode servir para manter e reproduzir relações de dominação por meio de um contínuo processo de produção e recepção de formas simbólicas;
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dominação: fenômeno que ocorre quando relações estabelecidas de poder são sistematicamente assimétricas, isto é, quando grupos particulares de agentes possuem poder de uma maneira permanente, e em grau significativo, permanecendo inacessível a outros agentes.
Discurso
O discurso tem uma dimensão ideológica que relaciona as marcas deixadas no texto com as suas condições de produção, e que se insere na formação ideológica. E essa dimensão ideológica do discurso pode tanto transformar quanto reproduzir as relações de dominação. Para Marx, essa dominação se dá pelas relações de produção que se estabelecem, e as classes que estas relações criam numa sociedade. Por isso, a ideologia cria uma "falsa consciência" sobre a realidade que tem como objetivo suprir, morder, reforçar e perpetuar essa dominação. Já para Gramsci, a ideologia não é enganosa ou negativa em si, mas constitui qualquer ideário de um grupo de indivíduos; em outras palavras, poder-se-ia dizer que Gramsci rejeita a concepção crítica e adere à concepção neutra de ideologia. Para Althusser, que recupera a ótica marxista, a ideologia é materializada nas práticas das instituições, e o discurso, como prática social, seria então “ideologia materializada”.
Bibliografia
Chauí, M. O Que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense.
Eagleton, Terry. Ideologia. São Paulo: Ed. da Unesp, 1997.
Karl Marx e Engels, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 2002.
Mannheim, K. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Guanabara.
Viana, Nildo. Introdução à Sociologia. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
Thompson, John B. Ideologia e cultura moderna. Petrópolis: Vozes, 1995.
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3 Ideologia
Termo tem vários significados em ciências sociais
Renato Cancian*
Nas ciências sociais, filosofia e áreas afins, o termo ideologia é empregado com muita freqüência. Em uma de suas canções, o músico e letrista brasileiro Cazuza fez uma crítica sagaz à ausência de uma ideologia para seguir nos tempos atuais.
O verso de Cazuza - "Ideologia. Eu quero uma pra viver" - pode ser nosso ponto de partida para perguntar: mas afinal, qual é o significado desse termo e como ele surgiu?
O conceito ideologia foi criado pelo francês Antoine Louis Claude Destutt de Tracy (1754-1836). Este filósofo o empregou pela primeira vez em seu livro "Elementos de Ideologia", de 1801. para designar o "estudo científico das idéias".
Destutt de Tracy usou alguns métodos e teorias das ciências naturais (física e biologia basicamente) para compreender a origem e a formação das idéias (razão, vontade, percepção, moral, entre outras) a partir da observação do indivíduo em interação com o meio ambiente.
Novos significados de ideologia
Nas décadas seguintes à publicação do livro de Destutt de Tracy, o termo ideologia foi utilizado com outros significados. Ele também reaparece de maneira recorrente nos estudos dos filósofos e pensadores que fundaram a sociologia.
O francês Auguste Comte, criador da doutrina positivista, compartilha da definição de Destutt de Tracy: a ideologia é uma atividade filosófico-científica que estuda a formação das idéias a partir da observação do homem no seu meio ambiente.
Por outro lado, o sociólogo francês Émile Durkheim usa o termo de maneira distinta. Para Durkheim, os fatos sociais são considerados objetos únicos de estudo da sociologia. Na perspectiva durkheimiana, as idéias e valores individuais (ou seja, a ideologia) são irrelevantes porque os fatos sociais são manifestações externas, isto é, estão fora e acima das mentes de cada sujeito que integra a sociedade.
Portanto, para Durkheim, a ideologia é negativa porque nasce de uma noção "pré-científica" e, por isso mesmo, imprópria para o estudo objetivo da realidade social.
A ideologia segundo Marx
A referência ao pensador e filósofo alemão Karl Marx, é muito importante para qualquer estudo sobre os significados do termo ideologia. O estudo mais relevante de Marx sobre o tema é o texto chamado de "A Ideologia Alemã". Para Marx, a produção das idéias não pode ser analisada separadamente das condições sociais e históricas nas quais elas surgem.
Em "A Ideologia Alemã", o fundador do marxismo dirige inúmeras críticas a vários filósofos e ideólogos alemães justamente para demonstrar que o pensamento, as idéias e as doutrinas produzidas por eles não são neutras. Muito pelo contrário, elas estão impregnadas de noções, isto é, de ideologias provenientes das condições sociais particulares da Alemanha daquele período.
Marx também distingue tipos de ideologias que são produzidas: política, jurídica, econômica e filosófica. Com base nos pressupostos teóricos do materialismo histórico, o pensador alemão demonstra que a ideologia é determinada pelas relações de dominação entre as classes sociais.
Ao se referir à ideologia burguesa, Marx entende que as idéias e representações sociais predominantes numa sociedade capitalista são produtos da dominação de uma classe social (a burguesia) sobre a classe social dominada (o proletariado).
A existência da propriedade privada e as diferenças entre proprietários e não-proprietários aparecem, por exemplo, nas representações sociais dos indivíduos como algo que sempre existiu e que faz parte da "ordem natural" das coisas. Essas representações sociais, porém, servem aos interesses da burguesia, classe social que controla os meios de produção numa sociedade capitalista.
Função social da ideologia
Na perspectiva marxista , a ideologia é um conceito que denota "falsa consciência": uma crença mistificante que é socialmente determinada e que se presta a estabilizar a ordem social vigente em benefício das classes dominantes. Quando a ideologia da classe dominante sofre sérios abalos, devido ao surgimento de conflitos sociais (contradições sociais), há riscos de ocorrer uma ruptura da ordem social vigente por um movimento revolucionário.
Historicamente, a burguesia também foi uma classe revolucionária que rompeu com a ordem social do feudalismo e impôs o modo de produção capitalista. Portanto, Marx argumenta que na ordem social capitalista, o proletariado, ou seja, todos aqueles que não são proprietários dos meios de produção e precisam vender sua força de trabalho para sobreviver - são os sujeitos depositários da esperança de uma ruptura revolucionária.
Para que isso ocorra, entretanto, o proletariado precisa primeiramente romper com a ideologia burguesa. E isso só se torna possível quando ele toma consciência de sua condição de classe dominada e explorada.
Uso corrente do termo "ideologia"
Nas pesquisas sociológicas empíricas (ou seja, de caráter não-teórico), é bastante comum o emprego do termo ideologia. Porém, ele é utilizado como recurso metodológico.
O objetivo é somente descrever o conjunto de idéias, valores ou crenças que orientam a percepção e o comportamento dos indivíduos sobre diversos assuntos ou aspectos sociais, como, por exemplo, as opiniões e as preferências que os indivíduos têm sobre o sistema político vigente, a ordem pública, o governo, as leis, as condições econômicas e sociais, entre outros.
*Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política - 1972-1985".
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4 O que é ideologia
1. Características gerais
“Qual a ideologia que está por trás disso?” – eis aí uma pergunta estranha, mas que várias pessoas formulam, descuidadamente. Não há ideologia “por trás”. Caso exista algo “por trás” de um texto ou de um vídeo ou de uma peça de teatro ou de uma bula de remédio ou de uma legislação, pode acreditar, você não está diante da ideologia. Por uma razão simples: ideologia é algo que não vem “por trás”, ideologia é o que vem em primeiro plano, é o que está “na frente”.
Quando notamos movimentos sociais e de grupos, institucionais ou não, aprendemos rapidamente isso: a ideologia e a propaganda são parentes não distantes, e a semelhança familiar é justamente esta: ambas querem aparecer.
Um conjunto de caravelas espanholas ataca as caravelas inglesas. Eis aí o tempo de Elizabeth. O que carregam os espanhóis junto de suas velas, ou em bandeiras ou como figura estampada nas próprias velas? O Cristo na Cruz. É o desenho do Cristo o que está “por trás”? De modo algum, a gravura, que é sem dúvida, no caso, o símbolo ideológico, vai à frente. Não se esconde. Mostra-se. Tem de se mostrar.
Vejamos agora um documento educacional, uma peça de legislação. Vamos às reformas educacionais de Getúlio Vargas. Ali, claramente, o ensino médio aparece como voltado para a criação de “elites condutoras” – esta é a frase usada à risca, na letra da lei. Ora, a ideologia conservadora, que diz que o povo precisa ser conduzido por grupos da “elite”, está escondida? Está “por trás”? De modo algum. Está explícita e bem acomodada nas primeiras linhas. Está na frente.
A primeira característica de um conjunto de idéias que se pode chamar de ideologia é a de vir antes que qualquer outra coisa. Ela pertence ao que se quer mostrar e, de preferência, em primeiro plano. Ora, mas há outras duas características da ideologia.
A segunda característica é a busca de universalidade a qualquer preço. Um conjunto de idéias que é bem particular, que não tem grande força lógica para se tornar universal e, no entanto, busca se tornar universal e quer ser uma verdade independente de todos e uma verdade para todos, já está funcionando como ideologia. É próprio de um conjunto de idéias que se quer transformar em ideologia procurar se colocar de modo abstrato, para ganhar universalidade.
“O amor é a única lei” é uma idéia cristã, contra a idéia pagã da “lei do olho por olho e dente por dente”. Todavia, quando já ninguém sabe o que é que se quer dizer por amor, dado sua transformação em palavra abstrata, então a frase pode ser endossada por todos. Todo mundo diz que a coisa mais importante do mundo é “ter amor”. Assim, o próprio cristianismo, se está ligado a isso, se comporta como ideologia.
A terceira característica da ideologia é que ela quer antes mostrar a verdade “que se tem de seguir” do que um conjunto de enunciados que, possa levar à reflexão a respeito de outros conjuntos de enunciados e assim por diante. Ela, a ideologia, aceita pouco aquilo que Robert Brandom, louvado por Rorty, chamou de “o jogo de dar e pedir razões”. Nesse sentido, é próprio da ideologia o engodo, a ilusão ou o erro.
Nesse caso, não falamos de erro psicológico (da percepção ou do raciocínio). Trata-se de engano, certamente, mas como uma feição bem especial, a saber, nem sempre a ilusão ideológica se desfaz uma vez que seu mecanismo de engodo é revelado. Trata-se aqui do contrário do erro percetivo ou de um raciocínio equivocado, que pode ser corrigido, e geralmente o é, quando vemos que em que lugar a frase endossada está dando problemas O engodo ideológico permanece, mesmo quando denunciado. A realidade que vemos ideologicamente não muda, mesmo que o que tomamos por realidade esteja, então, denunciado como produto ideológico.
Por exemplo, se alguém olha para a realidade de negros e brancos, em um país fortemente racista, em que há discriminação contra os negros, e vê os negros como inferiores, o fato de se denunciar que isso não é nada senão uma visão ideológica, não extirpa dos “olhos” de quem assim vê tal realidade. Ele não vê algo novo. Ele não pensa de modo novo. A denúncia não altera a compreensão (imediata) como alteraria a compreensão de alguém que é denunciado ter cometido um erro lógico, como o de manter duas sentenças contraditórias ao mesmo tempo e no mesmo lugar. A denúncia não altera a compreensão (imediata) como mudaria a compreensão de alguém que vê um cachorro e, ao chegar mais perto, percebe que errou, que o que estava ali era um gato.
2. Filosofia e senso comum
Não raro, a filosofia também se põe como um conjunto de idéias, uma doutrina e, nesse sentido, se parece com a ideologia. E muitos confundem uma com a outra quando ambas assim se apresentam, como doutrinas. Todavia, a filosofia, isto é, a filosofia que não se corrompeu em ideologia, não se apresenta “na frente”. Ela é o que vem “por trás”. Não que esteja escondida. Ela vem por trás por uma razão simples, a filosofia é uma atividade racional, e só podemos usar da razão de modo explicativo e como fornecedora de boas justificações, quando os fatos já se passaram e quando o discurso histórico, ao menos em parte, já se fez.
“A Coruja de Minerva levanta vôo ao entardecer”, escreveu Hegel. Exatamente: só depois que há a história, então, ao final do dia, a razão passeia sobre tudo e fornece seu veredicto, tornando tudo que é insano, louco e sem sentido, em algo com algum sentido – o que se pode explicar aparece, e o que se pode compreender ganha vida. Esse trabalho da razão, o de dar sentido, não é senão o trabalho da filosofia. A filosofia vem depois, vem tardiamente, vem por trás, não tem como vir pela frente.
A coruja é ave de rapina, precisa enxergar todo o terreno à noite, caso queira conseguir alimento. Deve ver longe e de modo bem amplo, e não pode errar a rasante e não pegar sua presa. Nada tem a ver com as outras aves pequenas. O pardal acorda cedo e sai para revirar o esterco. Come bichinhos do esterco, mas quando perguntado por outros animais sobre o que é seu alimento cotidiano, vive dizendo que são bons pedaços de pão da mesa dos humanos. A coruja é a filosofia, o pardal, a ideologia.
O senso comum mais ou menos cru toma a filosofia e a ideologia como doutrinas. E há verdade nisso. São doutrinas. Mas não de modo absoluto. O senso comum não é analítico e, então, não fazendo o trabalho de distinguir o joio do trigo (alguns gostariam de dizer, crítico), engole indistinções que não se deveria engolir de modo algum. Então, não vê que se em algum momento a filosofia e a ideologia quase se igualam, ao serem doutrinas, ainda assim elas não podem ser tomadas como a mesma coisa. Pois há a doutrina da coruja e há a doutrina do pardal.
O senso comum não acredita que é necessário, a todo o momento, fazer distinções. Ele não aprendeu a lição dos filósofos medievais, que diziam que quando encontramos uma contradição, o que temos de conseguir esboçar é uma distinção. Sendo assim, ele toma ideologia e filosofia como doutrinas e não vê as características da primeira como bem distintas da segunda. Por agir assim, sem grandes preocupações com a distinção, sem achar que contradição é algo que não pode ser engolido, ele é mesmo o senso comum, o pensamento que tem dificuldade em se engajar na filosofia. Não raro, ele está envolto na ideologia e imagina estar fazendo filosofia.
Encontramos boa parte dos professores, jornalistas, médicos etc. totalmente imersos em ideologias. Eles acreditam que só os não escolarizados vivem sob o domínio do senso comum, e que eles próprios funcionam segundo o aparato dado pelo pensamento crítico, livres da ideologia. Todavia, talvez isso que dizem já seja, então, uma ideologia. Afinal, é o que vem na frente – é a primeira coisa que dizem, quando querem se distinguir dos outros. Caso seja assim, então imaginam estarem endossando, de modo esperto, filosofias. Podem não estar. E nesse caso específico, talvez não estejam mesmo. Por não se preocuparem em fazer distinções, e então ver em que poderiam ser ou não diferentes dos não muito escolarizados (“o povo”), eles próprios podem estar apenas no campo do senso comum.
Aliás, diga-se de passagem, esse tipo de intelectual acaba mesmo se envolvendo em uma ideologia específica, que é a que endossa a idéia de que o senso comum é o “pensamento ingênuo”, e que o “homem do povo” ou “o povão” é sempre enganado, ludibriado exatamente por se manter na ingenuidade.
É claro que a proteção contra a ideologia é o uso da razão. Todavia, temos de nos lembrar que o uso da razão, a racionalização de tudo, pode também ser ideológica.
Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo
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